segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Morada I

Pau a pique minha morada
Não tem nada, não tem água
Um pedaço de gleba, piso de chão
Um pão pra oito, tanta desolação

Pau a pique minha morada
Minhas esperanças na invernada
Vai a pique na estiagem longa
Todas os cantos, lágrimas tristonhas

Pau a pique minha morada
Vivo de rezas pelas madrugadas
Sabe-se lá, as lamentações a nos cobrir
E nossas faces o sorriso surgir

Coração meu

Chora coração meu
Ao som dessa viola
Não é este espírito, ateu
Busca apenas do som que consola

Sorria coração meu
Na balada dessa voz
Ironia na faz parte d'eu
Devaneios de uma mente atroz

Ame coração meu
Na poeira desse salão
Ébrio por achar outro eu
Na terra bruta desse imenso sertão

É direito do Homem?

É direito do homem?
confinar a natureza
uso de cercas
de arame e tela
criando mazela
espaços ínfimos
seus desatinos

É direito do homem?
confinar a natureza
num afã de beleza
redomas de cristal
genoma vital
destroços de si
na visão do porvir

É direito do homem?
confinar a natureza
frívola destreza
quadros emoldurados
em óleo enquadrados
painéis frios, expostos
vida morta, contragosto

É direito do homem?
confinar a natureza
hedionda malvadeza
da fauna a flora
sem penhora
tantos atos incautos
desses seres putrefatos

É direito do homem??

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Um preto, homem

Não é de morte morrida a minha sina
Neste chão marcado de sangue
Vida de discriminação sofrida
Arma empunhada a mão, maldita

Filho sou de mulher da rua
De cor a pele fragrante
Pobreza que revolta a alma
Sem nome, sem casa

Na lama a infância doída
Brinquedos as pedras, as pipas
Engalfinhando em lutas diárias
Um pedaço de pão, míseras migalhas

Crescendo no meio desolado
Meu pai!, que nunca existiu
Mãe ébria, vida condenada
Eu, dos irmãos, amava e cuidava

A conquista da vida, uma guerra
Nas batalhas eram só desvantagens
Sofrível coragem aos céus clamando
Um dia de vida, um dia de vida, reclamando

Na proteção aos amados, adveio
Desgraças a muito já anunciadas
Peixeirada na barriga de outro
Minha primeira morte, o estouro

E foram tantas, da primeira, mortes
Na adolescência homem marcado
Respeitado na violência demente
Fuga circular em volta daquela gente

Saudades que machucavam o peito
Amados que já não podia mais ver
Instantes dessas tristezas profundas
Meu rosto lágrimas constantes inunda

Sabia do retorno tragédias veriam
Sagrados eram irmãos e mãe
O degredo pior que a morte me delatava
Hora precisava abraçar os que amavam

Do encontro a felicidade exposta
Último momento, vim despedir
Um estrondo, vários tiros, os gritos
Morto, agora apenas os choros aflitos

Minha sina, a morte matada
Por defender o direito à vida
Culpados os homens de Deus, do Diabo
E eu que nasci preto e pobre, maltratado

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Mulheres da rua

Na ponta da rua
Dia de feira era uma festa
Gente de todos os cantos
Começava bem cedo, a guerra
Muitos quartos, uma quizumba
Mulheres pintadas dos pés à cara
De roupas berrantes, em partes
Fazia alegria dos mais bonitos
E para os mais feios uma felicidade
Não havia separação entre pobres e ricos
Qualquer um, era bem atendido
Tinha as estrelas, as mais solicitadas
Mas a hierarquia era rígida e cara
Aos mais velhos a preferência
Aos mais novos a paciência
Às vezes brigas ocorriam
Risca faca, era a arma
Os polícias logo apareciam
Banhavam as mulheres
Não tinham tempo
Era Sábado, feira
Conta do recado, obrigadas a dar
Pois o dono do ambiente podia expulsar
Era assim dia de feira,
Até raiar o outro dia
Caras dos homens de tanta euforia
Luta diária, vai retornar
Para na próxima feira
Com as mulheres rameiras
Voltar a deitar
Na ponta da rua

Algaroba

Dê sombra algaroba
Ao homem cansado
Ao jegue estropiado
Aos meninos peraltas
As mulheres e suas latas

Dê comida algaroba
Ao bode pé de serra
Ao boi magricela
Aos pássaros que rodeiam
A terra que semeia

Dê notícia algaroba
Dos namorados em lua cheia
Das pessoas, da vida alheia
Dos malandros descansados
Dos bichos desgarrados

Dê abrigo algaroba
Aos vira-latas no calor do verão
Ao sono incólume de beberrões
As fofoqueiras de língua pífia
Aos carros, às carroças, à polícia

Dê esperança algaroba
A luta que não é em vão
À terra do sertão
A esse gente destemida
Etéreo viver sem guarida

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Águas do sertão II

A água tão escassa
No barreirão água salobra
O trabalho é árduo para buscar
Desta água não se bebe

Água de beber tem que comprar
Medida na lata ou no litro
Nas casas que tem tanque
Todos feitos de cimento

Água custa caro no verão
A concorrência é pouca
Dona Lelinda e Dona Lizinha
São as vizinhas mais perto

Seu Cantídio tá mais barato
Muito longe, é um cansaço
Dona Virgínia também tem
Só que pingo no chão é um sermão

Tem Dona Moroca mais acima
Na rua debaixo Seu Arsênio
Quem tem tanque em casa
Quer sempre ganhar uns trocados

Outros ainda podem se contar
Dona Lita, Seu Nego, baita sufoco
Água que dá vida ao homem
Labuta sertaneja cotidiana

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Mamoneiro

No terreiro
Debaixo de um sol vibrante
Capota de mamona desabrochando
Um estalo, dois estalos, caroços reluzentes

Restos da plantação
Catado a beira da estrada
A jóia agora delapidada
Já é hora de ajuntar

Vem mulher, vem menino
Pisar o mamoneiro

Não há sol, nem poeira
Que a teima pode quebrar
É um resto de esperança
Mais ano pra suportar

Vem mulher, vem menino
A mamona assoprar

Amanhã é dia de feira
Vender pra poder comprar
Farinha, rapadura, feijão
Se der, mais outra coisa

Vem mulher, vem menino
Toda a mamona catar

Tirar pedra, tira barro
O dono da venda é brabo
Posso morrer de fome
Não sei enganar

No terreiro
Debaixo do luar do sertão
Mamona pronta pra fazer sabão
Conversa sob a luz do candeeiro

Sonha mulher, sonha menino
A esperança de melhores invernos.

Sertão

Terra esturricada
Barro vermelho
Poeira, sol e vento
O ano inteiro
Sertão.

Águas do Sertão

Água
Vai levando na cabeça
Uma lata
Um balde
Uma cabaça
Uma bacia
Uma tigela

Água
Vai levando na bicicleta
Uma lata e Um homem
Duas lata e Um homem
Duas lata e uma cabaça e
Um homem

ÁguaVai levando no jegue
Duas lata e Um homem, um menino
Quatro lata e Um homem, um menino
Quatro lata e uma cabaça e
Um homem, um menino

Água
Vai levando na carroça
Um tunel e Dois menino e um burro
Dois tunel e Dois menino e um burro
Três tunel e uma cabaça e
Dois menino e um burro

Água
Que mata
A família sertaneja
De morte morrida
Ou da seda encardida

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Águas do riacho

Quem me diria, águas do riacho
Que um dia, uma luz, um facho
Um reflexo na memória emergiria
No teu leito a inspiração de uma poesia

Era naquele tempo idade faceira
Um acorde, um canto, de palha a esteira
Ao redor do fogo, balbúrdia de risos
Ao se ouvir histórias de fundo sinistro

Em passos lentos a lua desbravava os céus
Silêncio interrompido por grilos, que escarcéu
Outras vezes, só o chuá das águas riacho adentro

Olhar pra cima, vaga-lumes e estrelas a alumiar o universo
Este sono que teima, vem chegando mais perto, tão perto..
Sonhos vívidos, paradisíaco, sonho!, agora lento...

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Poeira

Poeira desce a rua
Em dias de São João
Meninos que perambulam
Com carrinhos de rolimã

Poeira que cobre os céus
Na morno inverno do Sertão
Mulheres conversando ao léu
Sentadas em tamboretes e no chão

Poeira que varre as roças
Na teima rude da plantação
Homens que capinam em troça
Sobrevivência imputada ao coração

Poeira das festas de São João
Eternas, na vida deste Sertão

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Toca da gameleira

No meio da serra a gameleira
Numa 'broca' de pedra a toca
Cheia d'água na época do inverno
A toca da gameleira o ponto de encontro

O mais corajoso no alto ia
De lá, pular pro fundo da toca
Os galhos da gameleira do peso pendiam
Daquela quantidade de meninos

Na beirada outros se encontravam
Morada dos mais precavidos
Incentivos de longe, aos gritos
Pula! Pula! De flecha que é que tem graça

Horas passavam, a fome, esquecia
Em casa mães deveras preocupadas
Braçadas de um lado para o outro
Algo a ser não lembrado, ah!, as palmadas

O sol no poente anunciava
Um vento frio já se sentia
É noitinha, tinha que ir pra casa
Pele fubazenta, cabelo duro, boas risadas

Um salto de uma pedra a outra, às vezes caía
Eram só alegrias, planos de voltar no outro dia
Nem as palmadas que iriam arder as bundas
Desistir, nem por um momento, se cogitava

Toca da gameleira que ficava
A cada inverno transbordando
De água por todos os lados e
De meninos, e... suas traquinadas

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Lagoa

Perambulam os meninos
Pela serra à toa
Voa o tempo, voa
E as suas frentes
Surge magnânima, a lagoa
De água barrenta, amarelada
Desse inverno, desceu
De todas as ruas, por enxurrada
Um galho de mato, cabide
Meninos nus neste arrabalde
Saltam graciosos ao relento
Não há vergonha, ah!, tempos!
Mais acima pessoas passam
Muitas braçadas, pedra a outra
Molecadas
Vão se embora os meninos,
Água assenta, quase cristalina
Adormece o sol no horizonte
Amanhã, sim!, amanhã
De bundas ardentes
Voltam os meninos

Esmola

Prato na mão, estendido
Faça a Deus um pedido
Cair em cima uns grãos
Mesmo uma lasca de pão

Copo na mão, esperando
Nuvens no céu se juntando
Chove!, chuva, sem parar
Para o plantio vingar

Nada na mão, levantada
Se foi a esperança sonhada
Estreita os caminhos então
Para as esmolas, em vão

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Morada II

Separa terra
Separa água
Nascer do barro
Para empreitada

Separa pedra
Separa galho
Erguer escora
Para o trabalho

Enche as escoras
Com todo barro
Da carnaúba
Vem o telhado

Surge do chão
Sua morada
Sonho real
Sem frias madrugadas

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Não foi um sonho

Não foi um sonho
quando da morte, vivi
aquelas paragens estranhas
dentro em mim, vi

nebulosos os pensamentos
os medos surgem, tristonho.
Minh'alma imersa na escuridão.
Não foi um sonho

Forte o calor, debalde
Não foi um sonho
Miragens e formas no horizonte
vida nômade, contraponho

eram vidas nemorais
que a seca estropiou
Não foi um sonho
Do sertão o que restou

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Mulher ao entoar sua canção (Canção à mulher sertaneja)

Não era no sertão o luar mais belo
Nem o avermelhado pôr do sol ao chão
O que estremecia corações singelos
Mulher ao entoar sua canção

Nas lisas pedras das serras
Lavando roupas no serão
Labutas diárias, uma guerra
Mulher ao entoar sua canção

Sulcar a terra com enxada a punho
Semeando para a família o pão
Preces por chuvas para o aprumo
Mulher ao entoar sua canção

Garras afiadas na defesa de casa
Cuidar de marido, filhos, neste sertão
Uma vida mais que retada
Mulher ao entoar sua canção

quarta-feira, 27 de junho de 2007

À luz do candeeiro

À luz do candeeiro
homens conversavam
da fome que fraqueja
às águas que faltavam

e a sôfrega terra
estéril, pelo sol causticante
o pó, a pedra, misérias,
colheitas insignificantes

Os filhos que vieram
nascidos da esperança
planos anunciados
nos sonhos de bonança

À luz do candeeiro
lamentos de sertanejo
de corações endurecidos
são fortes no degredo

Viva José, Vida João

Chamam-me José
E aquele João
Comemos do mesmo prato
Dormimos no mesmo chão.

Nunca houve briga
Entre mim e João.
João gosta de gente
E eu de solidão.

Se no mundo há alguém
Que leva no coração
Todo o amor da vida
Tem alcunha de João.

Se no mundo há alguém
Que teima e é turrão
A José alcovitaram
Lhe imputando esse senão.

Nossa história é marcada
Causo, conto e solidão
Êta amigos valoroso
Esse cabra chamado João.

Luta e vida companheira
Os segredos do coração
Não sei se é sina de José
Ou se é sina de João.

José, João, Severina, Maria
Tantos nomes, nesse chão
De perto quanta gente
Tanto José e tanto João.

Não há vida sem José
Nem alegria sem João
Há em um, e no outro
A felicidade como missão.

Vive João, em mim José
Vive José, nele João
Confluências eternas
Anatômica prontidão.

(Produção compartilhada)

Dia no sertão

Minhas alpercatas
Gastas, apertadas
Já andou descalço?
No virgem chão?

Banho de sopapo
Brabo e escasso
Meça a água no litro
Sem o costume, aflição

Pano de tergal
Quente e caro
Usou roupa apertada?
De cor azulão?

Vida dos diabos
Mãos aos céus, rezar
Vezes xingo
Pro costume, perder não.

Quero

Quero andar seus passos
Enlaçar-me nos seus abraços
Quero me embriagar desse perfume
Impregnar-me do seu lume.

Quero viver seus devaneios
Mergulhar nos seus anseios
Quero dividir suas dúvidas
Partilhar suas renúncias

Quero transceder deste chão
Irracionalizar o tempo e a razão
Quero sentir o seu prazer
Anarquizar a certeza do ser

Quero esvariar-me no seu sabor
Imergir minha vida ao seu louvor
Quero ironizar toda razão
E apreçar do amor, a lição